Revelação
pela dor
É principalmente perante o sofrimento que se
mostra a necessidade, a eficácia de uma crença robusta, poderosamente assente,
ao mesmo tempo, na razão, no sentimento e nos fatos, e que explique o enigma da
vida, o problema da dor. Que consolações podem o materialismo e o ateísmo
oferecer ao homem atacado de um mal incurável? Que dirão para acalmar os
desesperos, preparar a alma daquele que vai morrer? De que linguagem usarão com
o pai e com a mãe ajoelhados diante do berço do filhinho morto, com todos
aqueles que vêem descer à cova os esquifes dos entes queridos? Aqui se mostra
toda a pobreza, toda a insuficiência das doutrinas do Nada. A dor não é somente
o critério, por excelência, da vida, o juiz que pesa os caracteres, as consciências,
e dá a medida da verdadeira grandeza do homem. É também um processo infalível
para reconhecer o valor das teorias filosóficas e das doutrinas religiosas. A
melhor será, evidentemente, a que nos conforta, a que diz por que as lágrimas
são quinhão da humanidade e fornece os meios de estancá-las. Pela dor
descobre-se com mais segurança o lugar onde brilha o mais belo, o mais doce
raio da verdade, aquele que não se apaga. Se o universo não é mais do que um
campo fechado, unicamente acessível às forças caprichosas e cegas da Natureza,
uma odiosa fatalidade nos esmaga; se não há nele nem consciência, nem justiça,
nem bondade, então a dor não tem sentido, não tem utilidade, não comporta
consolações; só resta impor silêncio ao nosso coração despedaçado, porque seria
pueril e vão importunar os homens e o Céu com os nossos lamentos! Para todos
aqueles cuja vida é limitada pelos estreitos horizontes do materialismo, o
problema da dor é insolúvel; não há esperança para aquele que sofre. Não é
verdadeiramente coisa estranha a impotência de tantos sábios, filósofos,
pensadores, há milhares de anos, para explicarem e consolarem a dor, para no-la
fazerem aceitar quando é inevitável? Uns a negaram, o que é pueril; outros
aconselharam o esquecimento, a distração, o que é vão e covarde, quando se
trata da perda dos que amamos. Em geral, têm-nos ensinado a temê-la, a receá-la
e detestá-la. Bem poucos a têm compreendido, bem poucos a têm explicado. Por
isso, em torno de nós, nas relações cotidianas pobres, banais e infantis se têm
tornado as palavras de simpatia, as tentativas de consolação prodigalizadas
àqueles que a desgraça tocou! Que frias palavras nos lábios, que falta de calor
e de luz nos pensamentos e nos corações! Que fraqueza, que inanidade nos
processos empregados para confortar as almas enlutadas, processos que antes
lhes agravam e redobram os males, a tristeza. Tudo isso resulta unicamente da
obscuridade que envolve o problema da dor, dos falsos dados vulgarizados pelas
doutrinas negativistas e por certas filosofias espiritualistas. Com efeito, é
próprio das teorias errôneas desanimarem, acabrunharem, ensombrarem a alma nas
horas difíceis, em vez de lhe proporcionarem os meios de fazer frente ao
destino com firmeza. “E as religiões?” podem perguntar-nos. Sim, sem dúvida, as
religiões acharam socorros espirituais para as almas aflitas; todavia, as
consolações que oferecem assentam numa concepção demasiadamente acanhada do fim
da vida e das leis do destino, como já por nós foi suficientemente demonstrado.
As religiões cristãs, principalmente, compreenderam o papel grandioso do
sofrimento, mas exageram-no, desnaturam-lhe o sentido. O paganismo exprimia a
alegria; seus deuses coroavamse de flores e presidiam às festas; entretanto, os
estóicos e, com eles, certas escolas secretas, consideravam já a dor como
elemento indispensável à ordem do mundo. O Cristianismo glorificou-a,
deificou-a no pessoa de Jesus. Diante da cruz do Calvário, a humanidade achou
menos pesada a sua. A recordação do grande supliciado ajudou os homens a sofrer
e a morrer; todavia, levando as coisas ao extremo, o Cristianismo deu à vida, à
morte, à Religião, a Deus, aspectos lúgubres, às vezes terrificantes. É
necessário reagir e restituir as coisas a seus termos, porque, em razão dos
próprios excessos das religiões, estas vêem a cada dia restringir-se o seu
império. O materialismo vai conquistando pouco a pouco o terreno que elas têm
perdido; a consciência popular se obscurece e a noção do dever desfaz-se por
falta de uma doutrina adaptada às necessidades do tempo e da evolução humana.
Diremos, por isso, aos sacerdotes de todas as religiões: Alargai o círculo de
vossos ensinamentos; dai ao homem uma noção mais extensa de seus destinos, uma
vista mais clara do Além, uma idéia mais elevada do alvo que ele deve atingir.
Fazei-lhe compreender que sua obra consiste em construir por suas próprias
mãos, com a ajuda da dor, a sua consciência, a sua personalidade moral, e isso
através do infinito do tempo e do espaço. Se, na hora atual, vossa influência
se enfraquece, se vosso poder está abalado, não é por causa da moral que
ensinais, é por causa da insuficiência de vossa concepção da vida, que não
mostra nitidamente a justiça nas leis e nas coisas e, por conseguinte, não
mostra Deus. Vossas teologias encerraram o pensamento num círculo que o abafa;
fixaram-lhe uma base demasiadamente restrita e, sobre essa base, todo o
edifício vacila e ameaça desabar. Cessai de discutir textos e de oprimir as
consciências; saí das criptas onde sepultastes o pensamento; caminhai e agi!
Ergue-se, cresce e se alastra uma nova doutrina, que vem ajudar o pensamento a
executar sua obra de transformação. Esse novo espiritualismo contém todos os
recursos necessários a consolar as aflições, enriquecer a filosofia, regenerar
as religiões, atrair conjuntamente a estima do discípulo mais humilde e o
respeito do gênio mais altivo. Pode ela satisfazer aos mais nobres impulsos da
inteligência e às aspirações do coração, explica, ao mesmo tempo, a fraqueza
humana, o lado obscuro e atormentado da alma inferior entregue às paixões e
proporciona-lhe os meios de elevar-se ao conhecimento e à plenitude.
Finalmente, constitui o remédio moral mais poderoso contra a dor. Na explicação
que dá, nas consolações que vem oferecer ao infortúnio, acha-se a prova mais
evidente, mais tocante de seu caráter verídico e de sua solidez inabalável.
Melhor que qualquer outra doutrina filosófica ou religiosa, revela-nos o grande
papel do sofrimento e ensina-nos a aceitá-lo. Fazendo dele um processo de
educação e reparação, mostra-nos a intervenção da justiça e do amor divinos em
nossas próprias provações e males. Em vez dos desesperados, que as doutrinas
negativistas fazem de nós, em vez de decaídos, de réprobos ou malditos, o
Espiritismo apresenta, nos desgraçados, simples aprendizes, simples neófitos
que a dor ilumina e inicia, candidatos à perfeição, à felicidade. Dando à vida
um alvo infinito, o novo Espiritualismo oferece-nos uma razão de viver e de
sofrer que nos faz reconhecer meritório se viva e sofra, numa palavra, um objetivo
digno da alma e digno de Deus. Na desordem aparente e na confusão das coisas,
mostra-nos a ordem que, lentamente, se vai esboçando e realizando, o futuro que
se vai elaborando no presente e, acima de tudo, a manifestação de uma imensa e
divina harmonia! E vede as conseqüências desse ensinamento. A dor perde o seu
aspecto terrífico; deixa de ser um inimigo, um monstro temível; torna-se um
auxiliar e o seu papel é providencial. Purifica, engrandece e refunde o ser em
sua chama, reveste-o de uma beleza que não se lhe conhecia. O homem, a
princípio admirado e inquieto com o seu aspecto, aprende a conhecê-la, a
apreciá-la, a familiarizar-se com ela; acaba quase por amá-la. Certas almas
heróicas, em vez de se afastarem dela, de a evitarem, vão-lhe ao encontro para
nela livremente se embeberem e regenerarem. O destino, em virtude de ser
ilimitado, prepara-nos possibilidades sempre novas de melhoramento. O
sofrimento é apenas um corretivo aos nossos abusos, aos nossos erros, incentivo
para a nossa marcha. Assim, as leis soberanas mostram-se perfeitamente justas e
boas; não infligem a ninguém penas inúteis ou imerecidas. O estudo do universo
moral enchenos de admiração pelo poder que, mediante o emprego da dor,
transforma pouco a pouco as forças do mal em forças do bem, faz sair do vício a
virtude, do egoísmo o amor! Daí em diante, certo do resultado de seus esforços,
o homem aceita com coragem as provas inevitáveis. Pode vir a velhice, a vida
declinar e rolar pelo declive rápido dos anos; sua fé ajuda-o a atravessar os
períodos acidentados e as horas tristes da existência. À medida que esta decai
e se vai envolvendo de névoas, vai-se fazendo mais viva a grande luz do Além e
os sentimentos de justiça, de bondade e de amor, que presidem ao destino de
todos os seres, tornam-se para ele força nas horas de desalento e tornam-lhe
mais fácil a preparação para a partida. * Para o materialista e até para muitos
crentes, o falecimento dos seres amados cava entre eles e nós um abismo que
nada pode encher, abismo de sombra e treva onde não brilha nenhum raio, nenhuma
esperança. O protestante, incerto do destino deles, nem mesmo por seus mortos
ora. O católico, não menos ansioso, pode recear para os seus o juízo que para
sempre separa os eleitos dos réprobos. Aí está, porém, a nova doutrina com suas
certezas inabaláveis. Para aqueles que a têm adotado, a morte, como a dor, não
traz pavores. Cada cova que se abre é uma porta de libertação, uma saída franca
para a liberdade dos Espaços; cada amigo que desaparece vai preparar a morada
futura, balizar a estrada comum em que todos nos havemos de reunir; só
aparentemente há separação. Sabemos que essas almas não nos deixarão para
sempre; íntima comunhão pode estabelecer-se entre elas e nós. Se suas
manifestações na ordem sensível encontram obstáculos, podemos pelo menos
corresponder-nos com elas pelo pensamento. Conheceis a lei telepática; não há
grito, lágrima, apelo de amor, que não tenha sua repercussão e sua resposta.
Solidariedade admirável das almas por quem oramos e que oram por nós, permutas
de pensamentos vibrantes e de chamamentos regeneradores, que atravessam o
espaço e embebem os corações angustiados em radiações de força e esperança e
nunca deixam de chegar ao alvo! Julgáveis sofrer sozinhos, mas não é assim.
Junto de vós, em torno de vós e até na extensão sem limites, há seres que
vibram ao vosso sofrer e participam de vossa dor. Não a torneis demasiadamente
viva, por amor deles. À dor, à tristeza humana, deu Deus por companheira a
simpatia celeste, e essa simpatia toma, muitas vezes, a forma de um ser amado
que, nos dias de provação, desce, cheio de solicitude, e recolhe cada uma das
nossas dores para com elas nos tecer uma coroa de luz no espaço. Quantos
esposos, noivos, amantes, separados pela morte, vivem em nova união mais
apertada e infinita! Nas horas de aflição, o Espírito de um pai, de uma mãe,
todos os amigos do Céu se inclinam para nós e nos banham as frontes com seus
fluidos suaves e afetuosos; envolvem-nos os corações em tépidas palpitações de
amor. Como nos entregarmos ao mal ou ao desespero, em presença de tais
testemunhas, certos de que elas vêem as nossas inquietações, lêem nossos
pensamentos, nos esperam e se aprontam para nos receberem nos portões da
imensidade! Ao deixarmos a Terra, iremos encontrá-los todos e, com eles, ainda
maior número de Espíritos amigos, que havíamos esquecido durante a nossa estada
na Terra, a multidão daqueles que compartilharam das nossas vidas passadas e
compõem nossa família espiritual. Todos os nossos companheiros da grande viagem
eterna agrupar-se-ão para nos acolherem, não como pálidas sombras, vagos
fantasmas, animados de uma vida indecisa, mas na plenitude das suas faculdades
aumentadas, como seres ativos, continuando a interessar-se pelas coisas da
Terra, tomando parte na obra universal, cooperando em nossos esforços, em
nossos trabalhos, em nossos projetos. Os laços do passado reatar-se-ão com
maior força. O amor, a amizade, a paternidade, outrora esboçados em múltiplas
existências, cimentar-se-ão com os compromissos novos tomados, em vista do
futuro, a fim de aumentar incessantemente e de elevar à suprema potência os
sentimentos que nos unem a todos. E as tristezas das separações passageiras, o
afastamento aparente das almas, causados pela morte, fundir-se-ão em efusões de
felicidade no enlevo dos regressos e das reuniões inefáveis. Não deis, pois,
crédito algum às sombrias doutrinas que vos falam de leis ferrenhas, ou então
de condenação, de inferno e paraíso, afastando uns dos outros e para sempre
aqueles que se amaram. Não há abismo que o amor não possa encher. Deus, que é
todo amor, não podia condenar à extinção o sentimento mais belo, o mais nobre
de todos os que vibram no coração do homem. O amor é imortal como a própria
alma. Nas horas de sofrimento, de angústia, de acabrunhamento, concentrai-vos
e, por invocação ardente, atraí a vós os seres que foram, como nós, homens e
que são agora Espíritos celestes, e forças desconhecidas penetrarão em vós e
ajudar-vos-ão a suportar vossos males e misérias. Homens, pobres viajantes que
trilhais penosamente a subida dolorosa da existência, sabei que por toda parte
em nosso caminho seres invisíveis, poderosos e bons, caminham a nosso lado. Nas
passagens difíceis seus fluidos amparadores sustentam nossa marcha vacilante.
Abri-lhes vossas almas, ponde vossos pensamentos de acordo com os seus e logo
sentireis a alegria de sua presença; uma atmosfera de paz e bênção
envolver-vos-á; suaves consolações descerão para vós.
* Em meio às provações, as
verdades que acabamos de recordar não nos dispensam das emoções e das lágrimas;
seria contra a Natureza. Ensinam-nos pelo menos a não murmurarmos, a não
ficarmos acabrunhados sob o peso da dor, afastam de nós os funestos pensamentos
de revolta, de desespero ou de suicídio que muitas vezes enxameiam no cérebro
dos niilistas. Se continuamos a chorar, é sem amargura e sem blasfêmia. Mesmo
quando se trata do suicídio de mancebos arrebatados pelo ardor de suas paixões,
diante da dor imensa de uma mãe, o Neo-Espiritualismo não fica impotente,
derrama também a esperança nos corações angustiados, proporcionando-lhes, pela
oração e pelo pensamento ardente, a possibilidade de aliviarem essas almas, que
flutuam nas trevas espirituais entre a Terra e o espaço, ou permanecem
confinadas, por seus fluidos grosseiros, aos meios em que viveram; atenua-lhes
a aflição, dizendo-lhes que nada há de irreparável, nada definitivo no mal.
Toda evolução contrariada retoma seu curso quando o culpado pagou sua dívida à
justiça. Em tudo essa doutrina nos oferece uma base, um ponto de apoio, donde a
alma pode levantar o vôo para o futuro e se consolar das coisas presentes com a
perspectiva das futuras. A confiança e a fé em nossos destinos projetam em
nossa frente uma luz que ilumina o carreiro da vida, fixa-nos o dever, alarga
nossa esfera de ação e nos ensina como devemos proceder com os outros. Sentimos
que há no universo uma força, um poder, uma sabedoria incomparáveis e sentimos
também que nós mesmos fazemos parte dessa força e desse poder de que
descendemos. Compreendemos que as vistas de Deus sobre nós, seu plano, sua
obra, seu objetivo, tudo tem princípio e origem no seu amor. Em todas as coisas
Deus quer nosso bem e para alcançá-lo segue caminhos, ora claros, ora
misteriosos, mas constantemente apropriados a nossas necessidades. Se nos
separa daqueles que amamos, é para fazer-nos achar mais vivas as alegrias do
regresso. Se deixa que passemos por decepções, abandonos, doenças, reveses, é
para obrigar-nos a despregar a vista da Terra e elevá-la para Ele, a procurar
alegrias superiores àquelas que podemos provar neste mundo. O universo é
justiça e amor. Na espiral infinita das ascensões, a soma dos sofrimentos,
divina alquimia, converte-se, lá em cima, em ondas de luz e torrentes de
felicidade. Não tendes notado no âmago de certas dores um travo particular e
tão característico em que não é possível deixar de reconhecer uma intervenção
benfazeja? Algumas vezes a alma ferida vê brilhar uma claridade desconhecida,
tanto mais viva quanto maior é o desastre. Com um só golpe da dor levanta-se a
tais alturas onde seriam necessários vinte anos de estudos e esforços para
chegar. Não posso resistir ao desejo de citar dois exemplos, entre muitos
outros que me são conhecidos. Trata-se de dois indivíduos que depois foram meus
amigos, pais de duas meninas encantadoras que eram toda a sua alegria neste
mundo e que a morte arrebatou brutalmente em alguns dias. Um é oficial superior
na Região de Leste. Sua filha mais velha possuía todos os dotes de inteligência
e de beleza. De caráter sério, desprezava, de bom grado, os prazeres da sua
idade e tomava parte nos trabalhos de seu pai, escritor, militar e publicista
de talento. Havia-lhe ele dedicado, por essa razão, um afeto que ia até ao
culto. Em pouco tempo uma doença irremediável arrebatava a donzela à ternura
dos seus. Entre os seus papéis foi encontrado um caderno com o seguinte título:
“Para meu pai quando eu já não existir.” Posto que gozasse de perfeita saúde no
momento em que traçara essas páginas, tinha o pressentimento de sua morte
próxima e dirigia ao pai consolações comovedoras. Graças a um livro que este
descobriu na secretária da filha, entramos em relações. Pouco a pouco,
procedendo com método e persistência, fez-se médium vidente e hoje possui, não
somente a graça de estar iniciado nos mistérios da sobrevivência, mas também a
de tornar a ver muitas vezes a filha perto de si e de receber os testemunhos do
seu amor. Yvonne (Espírito) comunica-se igualmente com seu noivo e com um de
seus primos, oficial subalterno no Regimento de seu pai. Essas manifestações
completam-se e verificam-se umas pelas outras e são também percebidas por dois
animais domésticos, assim como o atestam as cartas do general.
O segundo caso é o do negociante
Debrus, de Valence, cuja única filha, Rose, nascida muitos anos depois do
matrimônio, era ternamente amada. Todas as esperanças do pai e da mãe
concentravam-se na filha estimada; mas, aos doze anos, foi a menina bruscamente
atacada de uma meningite aguda, que a levou. Inexprimível foi o desespero dos
pais e a idéia do suicídio mais de uma vez visitou o espírito do pobre pai.
Cobrou, porém, ânimo devido a alguns conhecimentos que tinha do Espiritismo e
teve a alegria de tornar-se médium. Atualmente, comunica com a filha sem
intermediário, livremente e com segurança. Esta intervém freqüentes vezes na
vida íntima dos seus e produz, às vezes, ao redor deles, fenômenos luminosos de
grande intensidade. Uns e outros nada sabiam do Além e viviam numa culpada
indiferença a respeito dos problemas da vida futura e do destino. Agora, fez-se
para eles a luz. Depois de haverem sofrido, foram consolados e consolam, por
sua vez, os outros, trabalhando por difundir a verdade em volta de si,
impressionando todos os que deles se aproximam pela elevação de suas vistas e
pela firmeza de suas convicções. Suas filhas voltaram-lhes transfiguradas e
radiantes. E eles chegaram a compreender por que Deus os havia separado e como
lhes prepara uma vida comum na luz e na paz dos espaços. Eis a obra da dor!
* Para o materialista, convém repeti-lo, não
há explicação para o enigma do mundo nem para o problema da dor. Toda a
magnífica evolução da vida, todas as formas de existência e de beleza
lentamente desenvolvidas no decurso dos séculos, tudo isto, a seus olhos, é
devido ao capricho de um acaso cego e não tem outra saída além do nada. No fim
dos tempos será como se a humanidade nunca tivesse existido. Todos os seus
esforços para elevar-se a um estado superior, todas as suas queixas,
sofrimentos, misérias acumuladas, tudo se desvanecerá como uma sombra, tudo
terá sido inútil e vão. Nós, porém, que temos a certeza da vida futura e do
mundo espiritual, em vez da teoria da esterilidade e do desespero, vemos no
universo o imenso laboratório onde se afina e apura a alma humana, através das
existências alternativamente celestes e terrestres. O objetivo das últimas é um
só: a educação das Inteligências associadas aos corpos. A matéria é um
instrumento de progresso: o que nós chamamos o mal, a dor, é simplesmente um
meio de elevação. O “eu” é coisa odiosa, tem-se dito; todavia, permita-se-me
uma confissão. De cada vez que o anjo da dor me tocou com a sua asa, senti
agitarem-se em mim potências desconhecidas, ouvi vozes interiores entoarem o
cântico eterno da vida e da luz; agora, depois de ter compartilhado de todos os
males de meus companheiros de viagem, bendigo o sofrimento. Foi ele que amoldou
meu ser, que me fez obter um critério mais seguro, um sentimento mais exato das
altas verdades eternas. Minha vida foi mais de uma vez sacudida pela desgraça,
como o carvalho pela tempestade; mas, nenhuma prova deixou de me ensinar a
conhecer-me um pouco mais, a tomar maior posse de mim. Chega a velhice;
aproxima-se o termo da minha obra. Após cinqüenta anos de estudos, de trabalho,
de meditação, de experiência, é-me grato poder afirmar a todos aqueles que
sofrem, a todos os aflitos deste mundo que há no universo uma justiça
infalível. Nenhum de nossos males se perde; não há dor sem compensação,
trabalho sem proveito. Caminhamos todos através das vicissitudes e das lágrimas
para um fim grandioso fixado por Deus e temos a nosso lado um guia seguro, um
conselheiro invisível para nos sustentar e consolar. Homem, meu irmão, aprende
a sofrer, porque a dor é santa! Ela é o mais nobre agente da perfeição.
Penetrante e fecunda, é indispensável à vida de todo aquele que não quer ficar
petrificado no egoísmo e na indiferença. Esta é uma verdade filosófica: Deus
envia o sofrimento àqueles a quem ama. “Eu sou escravo – dizia Epicteto –,
aleijado, um outro Irus em pobreza e miséria e, todavia, amado dos deuses.”
Aprende a sofrer. Não te direi: procura a dor. Mas, quando ela se erguer
inevitável em teu caminho, acolhe-a como uma amiga. Aprende a conhecê-la, a
apreciar-lhe a beleza austera, a entender-lhe os secretos ensinamentos. Estuda-lhe
a obra oculta. Em vez de te revoltares contra ela ou de ficares acabrunhado,
inerte e fraco debaixo de sua ação, associa tua vontade, teu pensamento ao alvo
a que ela visa, procura tirar dela, em sua passagem por tua vida, todo o
proveito que ela pode oferecer ao espírito e ao coração. Esforça-te por seres a
teu turno um exemplo para os outros; por tua atitude na dor, pelo modo
voluntário e corajoso por que a aceites, por tua confiança no futuro, torna-a
mais aceitável aos olhos dos outros. Numa palavra, faze a dor mais bela. A
harmonia e a beleza são leis universais e nesse conjunto a dor tem o seu papel
estético. Seria pueril enraivecermo-nos contra esse elemento necessário à
beleza do mundo. Exaltemo-la antes, com vistas e esperanças mais elevadas! Vejamos
nela o remédio para todos os vícios, para todas as decadências, para todas as
quedas! Vós todos que vergais sob o peso do fardo de vossas provações ou que
chorais em silêncio, aconteça o que acontecer, nunca desespereis. Lembrai-vos
de que nada sucede debalde, nem sem causa; quase todas as nossas dores vêm de
nós mesmos, de nosso passado e abrem-nos os caminhos do Céu. O sofrimento é um
iniciador; revela-nos o sentido grave, o lado sério e imponente da vida. Esta
não é uma comédia frívola, mas uma tragédia pungente; é a luta para a conquista
da vida espiritual e, nessa luta, o que há de maior é a resignação, a
paciência, a firmeza, o heroísmo. No fundo, as lendas alegóricas de Prometeu,
dos Argonautas, dos Niebelungem, os mistérios sagrados do oriente não têm outro
sentido. Um instinto profundo faz-nos admirar aqueles cuja existência não é
senão um combate perpétuo contra a dor, um esforço constante para escalarem as
abruptas ladeiras que conduzem aos cimos virgens, aos tesouros inviolados; e
não admiramos somente o heroísmo que se patenteia, as ações que provocam o
entusiasmo das multidões, mas também a luta obscura e oculta contra as
privações, a doença, a miséria, tudo o que nos desata dos laços materiais e das
coisas transitórias. Dar tensão às vontades; retemperar os caracteres para os
combates da vida; desenvolver a força de resistência; afastar da alma da
criança tudo o que pode amolentá-la; elevar o ideal a um nível superior de
força e grandeza – eis o que a educação moderna deveria adotar como objetivo
essencial; mas, em nossa época, tem-se perdido o hábito das lutas morais para
se procurarem os prazeres do corpo e do espírito; por isso a sensualidade
extravasa de nós, os caracteres aviltam-se, a decadência social acentua-se.
Ergamos os pensamentos, os corações, as vontades! Abramos nossas almas aos
grandes sopros do espaço! Levantemos nossas vistas para o futuro sem limites;
lembremo-nos de que esse futuro nos pertence, nossa tarefa é conquistá-lo.
Vivemos em tempos de crise. Para que as inteligências se abram às novas
verdades, para que os corações falem, serão necessários avisos ruidosos; serão
precisas as duras lições da adversidade. Conheceremos dias sombrios e períodos
difíceis. A desgraça aproximará os homens; só a dor verdadeiramente lhes faz
sentir que são irmãos. Parece que as sociedades seguem um caminho orlado de
precipícios. O alcoolismo, a imoralidade, o suicídio, o crime e a anarquia
fazem as suas devastações. A cada instante surgem escândalos, despertando
curiosidades novas, remexendo o lodo onde fermentam as corrupções; o pensamento
rasteja. A alma da França, que foi muitas vezes a iniciadora dos povos, o seu
guia na via sagrada, sofre por sentir que vive num corpo viciado. Ó alma viva
da França, separa-te desse invólucro gangrenado, evoca as grandes recordações,
os altos pensamentos, as sublimes inspirações do teu gênio. Porque o teu gênio
não está morto, dormita. Amanhã despertará! A decomposição precede a renovação.
Da fermentação social sairá outra vida, mais pura e mais bela. Ao influxo da
Idéia Nova, a sociedade humana encontrará de novo a crença e a confiança.
Levantar-se-á maior e mais forte para realizar sua obra neste mundo.
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