Até hoje, a Ciência só conhece a loucura que resulta, de um modo permanente, da perturbação do pensamento, com sua sede no cérebro.
Podem variar causas e formas, mas o estado patológico do indivíduo é sempre o mesmo: a loucura caracterizada pela perturbação mental e pela sede no cérebro.
Sem que o cérebro sofra, não pode haver, para a Ciência, o fenômeno psíquico-patológico da loucura.
Esta é a doutrina corrente - esta é a lei invariável para a Ciência.
Entretanto, o célebre alienista Esquirol atesta a existência de casos, por ele observados, de loucura sem a mínima lesão cerebral - e essa afirmação do ilustre sábio é robustecida pela observação de outros não menos considerados no mundo científico.
Está, pois, verificado que há loucura com e sem lesão cerebral; e, portanto, que há dois casos bem distintos de loucura - ou que há loucura de duas espécies.
É intuitivo que, dependendo o pensamento do cérebro, como órgão produtor, segundo uns; como órgão transmissor, segundo outros; mas órgão essencial, segundo todos, é evidente que um caso de loucura, com lesão daquele órgão, não pode ser o mesmo que o deloucura sem lesão dele.
Se a variedade das causas pode conformar-se com unidade da espécie mórbida, o mesmo não se dá com variedade de condições da sede ou do órgão essencial.
Assim, havendo casos de naturezas diferentes, e de rigor que constituam espécies distintas.
Estas espécies se determinam pela presença ou ausência da lesão cerebral.
A alienação que resulta da alteração do órgão do pensamento, não é a mesma coisa que aquela em que o órgão em questão se acha em seu perfeito estado fisiológico.
Mas, como é isto, se o cérebro é órgão do pensamento?
Coincidindo a loucura ou alienação mental com qualquer estado patológico do cérebro, o fato é da mais simples compreensão. O olho doente produz necessariamente a perturbação da visão.
A loucura, porém, ou alienação mental, coincidindo com o mais perfeito estado fisiológico do cérebro, isto, sim, não é fácil de entrar na compreensão humana. O olho perfeitamente são não se compadece com a perturbação da visão.
Sendo assim - e em face da lei: órgão são, função perfeita; órgão doente, função perturbada - é óbvio que a Ciência explica a loucura com lesão do cérebro, mas não a loucura sem tal lesão.
A questão não pode, por muito tempo, ficar insolúvel, principalmente afetando, como afeta, a parte mais sensível da natureza humana.
A loucura apaga a luz da razão e reduz o homem à triste condição animal.
Importa, pois, empenhar todas as forças intelectuais da Humanidade na solução do problema de máxima importância para ela.
Eu vou - mais confiante na luz que baixa do Alto sobre todo aquele que procura a verdade e o bem de boa vontade, do que nas pequeninas forças da minha obscura mentalidade - eu vou tentar o máximo esforço no intuito de resolver o problema da loucura em sua nova face, isto é, a loucura sem lesão cerebral.
Compreende-se quanto importa a prática diferençar uma espécie da outra, para não confundi-las no mesmo tratamento, sendo elas de naturezas diferentes.
Meu plano é determinar a natureza especial da loucura sem lesão cerebral, estabelecer as bases de um diagnóstico diferencial de uma para outra espécie, e oferecer os meios curativos deste gênero desconhecido de loucura.
Para a determinação da natureza da nova espécie de loucura, é indispensável resolver as seguintes questões preliminares:
l.º: Existe a alma? Qual a sua natureza?
2.º: Como se relaciona a alma com o corpo?
3.º: Qual a origem do pensamento?
4.º: Quais as relações do pensamento com o cérebro?
Dividirei este trabalho em duas partes: uma filosófica, que compreenderá a solução destas quatro questões - donde a explicação da loucura sem lesão do cérebro; outra, científica, que compreende o diagnóstico e o tratamento, precedidos de um estudo da natureza do gênero especial de loucura, com que ora me ocupo.
"Cave ne cadas."
Trecho "Ao Leitor" do livro "A Loucura sob Novo Prisma"
Adolfo Bezerra de Menezes