Bondade
Judas Tadeu, de certo
modo, era um homem viajado. Conhecia muitos lugares. Quando rapazinho, de uns
quatorze para quinze anos, acompanhou seus tios a uma excursão que se tornou
inesquecível para ele. Saíram de Magdala, onde moravam os tios, foram
margeando o Rio Jordão até Jericó. Daí a Betânia, Jerusalém, Emaús, Lida,
chegando ao fim da linha, que é o porto de Jope, no Grande Mar Mediterrâneo.
Tadeu, pelos anos que tinha, não deveria ter o corpo que possuía. Era exagerado
no tamanho. O porto, para ele, significava um encanto. Teve a oportunidade de
ver embarcações de outros países e pessoas com diferentes costumes, vendendo e
comprando objetos que ele nunca sonhara existir. Mulheres de outras terras, de
formosura incomparável, vestimentas diferentes e linguagem que ele ignorava. Os
estrangeiros mais freqüentes eram os gregos e os romanos. Os tios de Tadeu
ficaram em uma estalagem muito sua conhecida, pelo ramo de comércio que
exploravam, mas Tadeu parava pouco na pensão, aproveitando o que Jope oferecia
de estranho, para se divertir.
Em uma
certa hora de distração pelas ruas de Jope, depara com um velho que estava bem
posto em roupagem oriental. Pelo seu aspecto, notava-se sua posição como mago.
O ancião olha para o rapagão e acena a mão, com suavidade. Tadeu, curioso,
aproxima-se do mago e diz:
—
Senhor, que queres de mim?
O
homem indica uma cabana e pede para segui-lo. O jovem, meio temeroso e
assustado entra em uma nave improvisada. O ancião desliza uma cortina como
porta e acomoda-se em um coxim de sedas coloridas. O menino assenta-se
acanhado, olhando para o senhor. Pergunta o seu nome. O velho, delicado,
responde:
—
Meu filho, o meu nome é Basílio. Tenho noventa e
oito anos e nunca me esqueço do amor de Deus para com as
criaturas. Não sei como vais receber-me na posição em que me encontro
e, pelo que vou falar-te, diante da pouca idade, que tens. No entanto, é meu
dever te revelar algo que a vida guarda para o teu coração.
O
menino entendeu mais ou menos, pois freqüentava as sinagogas e ouvia falar
muito dos destinos das pessoas e das coisas, de Deus, dos profetas e dos anjos.
Tudo
passou rapidamente pela sua cabeça infantil. O homem, sereno, descobre em sua
frente um volume que brilhava mais na claridade. Era um cristal muito polido e
bonito. Tadeu nunca tinha visto antes uma beleza daquela. O mago fita seus
olhos lúcidos em Tadeu, e fala com sabedoria:
—
Meu filho, te chamei porque, de longe, vi em volta
da tua cabeça uma promessa para o teu futuro, coisa difícil de explicar por
palavras. A minha posição me obrigou a te revelar algo de bom para o teu
coração, mesmo se isso te custar a própria vida.
Fechando
os olhos, pôs as mãos bem devagar por sobre a pedra, fala algumas palavras
estranhas e o menino vê, assustado, desenrolar-se a vida de uma
pessoa desde o nascimento, em uma estrebaria, até a morte, pendurado no
madeiro, em um monte. Depois de assistir a todo o drama, o velho Basílio
pondera com tristeza.
—
Meu filho, viste tudo? Pois tu és um desses que
vai acompanhar esse Mestre. Ele vai te chamar para Seu apostolado. Ele é a luz
do mundo que veio nos salvar. Ele é o Cristo anunciado pelos antigos profetas.
Podemos chamá-Lo de Pai na ausência de Deus, se é que sentimos a Sua ausência
de vez em quando.
O
rapaz, movido pelos sentimentos de bondade, chora quase aos soluços, e o velho
Basílio acrescenta:
—
Chora, meu filho, chora, para que essa advertência
não saia da tua mente, e quando encontrares esse personagem divino, acompanha-0
em todos os Seus acertos e sejas portador da Sua voz, para que os homens
entendam esse homem. É o homem do amor.
Tornou
a cobrir a pedra com delicadeza. Serviu um doce de figo para o menino, pegou
sua mão e saiu de novo pela rua, dizendo:
—
Queres ouvir um conselho, Tadeu?
—
Sim, senhor, quero. Quero ouvir muito do senhor.
—
Então não digas nada do que viste e ouviste de
mim, porque a vida tem segredos dispensados a poucos e que exigem silêncio aos
ouvidos de muitos.
Dá
um sorriso e termina:
—
Vai, meu filho, vai à procura
dos teus, que já devem se encontrar impacientes com a tua demora. Vai, Tadeu.
Por
um impulso do coração Tadeu tomou as mãos do reverendo ancião e beijou-as com
ternura, dizendo ao mago:
—
Deus te pague, meu velho.
E
saiu correndo para a estalagem onde estavam os tios. No meio do caminho é que
se lembrou de que não havia falado o seu nome ao velho. “E como ele me chamou
pelo nome?” Mas logo isso passou, porque as crianças se distraem facilmente. E
encontrou-se com os parentes, na porta da casa, já aflitos.
Passam-se
os anos... Tadeu nunca se esquecera do velho Basílio, mas como o que ouvira
dele era segredo, somente ele próprio desfrutava das lembranças da palavra do
mago de Jope. No dia em que encontrou Jesus reconheceu o mesmo personagem da
bola de cristal. Acendeu-se em seu coração a maior certeza da imortalidade da
vida e do desempenho da missão de Cristo na Terra.
Tadeu
pensava muito na Bondade. Achava essa virtude uma segurança para os sofredores.
Nos caminhos da verdade, ele já havia encontrado muita gente possuidora desse
clima de Deus no coração.
Na
igreja dos pescadores, João, irmão de Tiago, filho de Zebedeu, apruma o corpo e
a mente para Deus e ora com simplicidade e amor. Judas Tadeu, acompanhando a
oração do companheiro, sente, naquela noite, a obrigação de perguntar alguma
coisa ao Senhor. Obedecendo à inspiração, indaga:
—
Mestre, pelo pouco que faço não cabe a mim tomar o
teu precioso tempo com perguntas que podem não ser ideais. Mas ficaria
agradecido se pudesses responder-me acerca do que é a Bondade e qual a sua ação
benfeitora na Terra.
O
Nazareno, tranqüilo, responde com alegria: Judas Tadeu, a Bondade é uma marca
de Deus em nossos corações. O homem bom sempre sabe de onde veio a sua Bondade
e o que fazer para conservá-la. Essa virtude é uma das cordas do grande
instrumento da vida, é uma das cordas do amor. Se queres irradiar uma melodia
perfeita da vida que levas, deves afinar todas as cordas sonoras da alma, para
que os dedos de Deus toquem em teu favor. A Bondade é, sem dúvida, um princípio
da escrita divina em nós, que nos leva à procura de outras da mesma linha.
Contudo, o senso de equilíbrio nos leva a disciplinar essa disposição inspirada
pela caridade. A Bondade não pode querer suprir as deficiências que somente o
trabalho pode fazer, ou a dor que desperta, ou a corrigenda que conscientiza as
pessoas. Quem chega ao ponto de conciliar a Bondade com a justiça, faz muitos
prodígios na arte de educar as criaturas e, ao invés, como pensas, de afastar
as pessoas, elas sentirão, mais tarde, a eficiência de mestre daqueles que
andam sempre no fio da balança divina, dando o que devem dar, na hora certa;
tirando o que devem tirar, no momento exato.
Houve
silêncio no salão. Muitos dos discípulos andavam exagerando nos serviços de
assistência. A Bondade, em certos casos, estava virando fanatismo, que logo
pode passar a ser conivência com certo tipo de vida contrária à moralidade
e avessa à lei do trabalho. Jesus volta a dissertar;
—
Nós, meus filhos, temos muitas coisas que
poderemos destinar aos outros, sem envernizá-las com mesquinhos interesses.
Todavia, mesmo que o desprendimento acompanhe as dádivas, a sabedoria e o amor
nos asseguram que deveremos vigiar o que vamos entregar aos nossos semelhantes
e a quem vamos dar. A bondade, no lugar certo, é luz que se acende nas trevas,
mas onde não chegou a hora, pode ser incentivo para a miséria da alma. Já
pensaste em te condoeres dos insetos de todas as espécies que vivem ao léu, nos
campos, e levá-los para dentro de casa? Dos animais que, por vezes, estão
enfermos? Dos mendigos que encontrais pelas mas e estradas, levá-los para o
vosso convívio, dos doentes, ou dos assassinos ou leprosos, ou dos inconscientes
às leis do país? Pois essa seria uma Bondade que se tornaria um distúrbio muito
grande, de modo a impedir que alcanceis a vossa paz no lar e na consciência. É
muito grandioso ser bom, mas é muito melhor saber ser bom pelas linhas da
fraternidade e da razão objetiva. Não estou querendo que esmoreçais na
aquisição dessa virtude iluminada por excelência, porém que aprendais a
dignificar a Deus, pela inteligência que ele vos deu,
amparada pelos sentimentos. É bom que não passeis para nenhum dos extremos da
sabedoria e do amor, porque nas margens sempre encontrareis desequilíbrios. No
centro das correntezas dos rios, as águas são mais puras.
Após
ligeira pausa, Jesus prosseguiu:
—
Tadeu, se encontraste muita Bondade nos teus caminhos, e estas facilitaram o
teu bom desempenho, sê grato aos teus benfeitores, não com palavras, pois nem
sempre eles podem ouvir, mas sendo bom na mesma temperatura da Bondade que
recebeste. Fica sabendo que toda virtude desordenada é ninho de serpentes para
o futuro. Por isso é que meu Pai que está nos céus me enviou a
vós, para que fundásseis na Terra um educandário onde podereis, com a ajuda da Boa Nova que
vos trago
da parte d’Ele, equilibrar as vossas emoções e enobrecer as
vossas idéias. Controlar os pensamentos e iluminar a fala. Todas as virtudes
que ensinamos já são largamente conhecidas na Terra, pois os profetas e os
sábios as espalharam por toda a parte. Mas a Boa Nova de Deus é o educador
comum que propicia, com mais amplitude, disciplina para todas as virtudes.
Havereis de dar graças a Deus, mesmo que entregueis a vida como semente de luz
para esplender nos corações, pelo sangue que derramastes, o interesse maior, de
viver, mas de viver bem.
Quero e
espero que todos vivais pela Bondade. Não obstante, que essa Bondade não ultrapasse
as divisas do seu município, evitando perturbar a capital do coração e o
comando da inteligência.
Notava-se
um leve perfume no salão, aroma já familiar a todos os presentes. Todos dão
graças a Deus pela manifestação de luz naquele ambiente de paz. Judas Tadeu
procura sair, lembrando os seus exercícios de Bondade, para ver se algum deles
não tomou rumo diferente.
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