TEMA DA
DOUTRINÁRIA :"AMPLIANDO A CONSCIÊNCIA DE
IMORTALIDADE", EXPOSITOR: EMILSON PIAU
INDICAMOS A LEITURA E A SUA PRESENÇA NA DOUTRINÁRIA !
TEXTO : AMPLIANDO
A CONSCIÊNCIA DE IMORTALIDADE
André Luiz Peixinho
RESUMO: após
constatar o esgotamento do materialismo e enumerar os problemas dele
decorrentes, o texto situa o Espiritismo como o grande elemento de superação daquela
cosmovisão. Fundamentando-se em reflexões presentes em obras básicas do
Espiritismo e da sabedoria universal, além da literatura espírita subsidiária,
o texto propõe maneiras de superar a visão materialista, mediante a
reformulação de crenças e a aquisição de hábitos específicos. Esses hábitos de
aprimoramento envolvem (i) a desidentificação, por parte do indivíduo, de
atributos e formas com que se manifesta ao longo do processo evolutivo; (ii) a
autodisciplina em seus aspectos físico, emocional e mental, tornada hábito
mediante exercício e repetição; (iii) a experimentação e a experienciação do
mundo espiritual e o desenvolvimento de
um sentido de percepção profundo da divindade, mediante a conquista da “pureza
de coração” e competências espirituais correlatas. O texto indica ainda que
estas propostas sugerem formas de organização das atividades do centro
espírita.
1.
Introdução
Consta dos escritos de Allan
Kardec que uma das principais tarefas do Espiritismo é destruir o materialismo.
Embora este último, como visão de mundo, ofereça grandes vantagens à civilização
no plano da sobrevivência, do conforto e dos prazeres materiais, não resolve o
drama humano centrado na finitude e na angústia da morte. Para manter-se coerente,
o materialismo estimula o consumismo, o egocentrismo, a competição. Ao reduzir todos
os fenômenos existenciais à manifestação da matéria, mesmo aqueles conhecidos como
paranormais, nega qualquer possibilidade de transcendência material, de vida
após o decesso físico, de espiritualidade plena. Tal concepção restringe o
sentido da vida a uma auto realização transitória, através da vida sensorial e
intelectiva comum, oferecendo no máximo uma transcendência de si mesmo através
de um humanismo empobrecido.
A posição de Kardec é antecipada
pela declaração de um guia espiritual da época, que anunciou uma invasão
organizada dos espíritos no auge do sucesso materialista. E isto ocorreu,
levando o mestre lionês a concluir que o Espiritismo caminhará com os homens, sem
os homens e apesar dos homens.
Decorridos um século e meio,
constatamos que a sociedade cada vez mais parece imbuída de uma concepção
materialista, ao negar progressivamente antigas lições espirituais, religiosas
e filosóficas, e se deleitar com os avanços tecnológicos. E por desconhecer
realidades espirituais, centra-se na busca das posses materiais, da exaltação
da juventude corporal, ou desce os despenhadeiros comportamentais através do
uso de drogas.
Persistentemente, luta por
direitos pessoais, mantém preconceitos de raça, cor, sexo, religião, além de
experimentar a afirmação de seu poder, mediante a destruição individual ou
coletiva dos outros.
Em nosso entendimento, o
materialismo é forte no mundo porque a consciência do ser espiritual é frágil,
incipiente e muito restrita a algumas pessoas e momentos existenciais.
Em outras palavras, o mundo
reflete e reforça nosso estágio de consciência.
Isto é compreensível numa
perspectiva evolucionista espírita, pois os orientadores espirituais asseveram
que o princípio inteligente, criado por Deus, mergulhou na matéria para
intelectualizá-la, afirmando inclusive que tudo na natureza se encadeia, do
átomo ao arcanjo, que começou no átomo. Isto equivale a dizer que somos seres
espirituais manifestando nosso potencial através das formas materiais em
crescente evolução, ampliando a consciência através dos reinos da natureza:
mineral, vegetal, animal e humano.
E se estamos ainda vivendo a
experiência corporal, dando-lhe maior prevalência, é porque não expressamos
plenamente nosso potencial de criação divina e de princípio inteligente do universo.
Traduzir no plano das formas materiais este potencial é praticar o esforço evolutivo
em direção à angelitude.
O Espiritismo não pretende
retirar o indivíduo do mundo, nem privá-lo dos sucessos tecnológicos. Afinal de
contas, isolado, o indivíduo estiola-se e, desprezando os avanços do mundo
material pura e simplesmente, perde oportunidade e tempo de se dedicar à
verdadeira auto realização espiritual; porém, entre este extremo eremítico e a
hegemonia dos apelos do mundo materialista ‒ a busca
de felicidade material ‒, vai uma grande distância.
Para atender ao objetivo espírita
de superar a fase materialista da consciência, transcendendo-a e aproveitando-a
mediante uma inclusividade autêntica, podemos, com base no conhecimento
espírita, delinear algumas propostas e atividades decorrentes, conforme veremos
nas seções seguintes.
2.
Conhecer a si mesmo enquanto ser imortal, transcendente à matéria, potência
divina, essência.
Este conhecimento nos trará a
percepção de que estamos num corpo, possuímos um veículo de manifestação
modelador – o perispírito – mas não somos nenhum dos dois.
Ambos são criações evolutivas,
nossas dependentes, mutáveis, transitórias. Pertencem portanto ao mundo da
impermanência, e nele está contido todo o mundo materialista. E mesmo o mundo
espiritual ou erraticidade é uma construção nossa, adaptada às nossas necessidades
evolutivas transitórias.
Para alcançar tal objetivo – a
consciência de si mesmo enquanto essência – precisamos exercitar nossa
capacidade de desidentificação das formas que geramos como espíritos para nos
manifestar no mundo e superarmos as leis que o regem, principalmente aquelas
referentes ao espaço e ao tempo. Assim reconheceremos distintamente o que temos
– corpo e perispírito – do que realmente somos: espíritos. Afirmando que “não
há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos”, Léon Denis (1987,
p. 355-371) recomenda algumas práticas de auto aprimoramento:
1. Controlar o físico –
“Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigências materiais ao necessário,
a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho
de nosso papel terrestre.”
2. Regular as emoções – “(...)
disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las, em
utilizá-las como agente de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente
a esquecer, a fazer o sacrifício do ‘eu’, a desprender-nos de todo o sentimento
de egoísmo.”
3. Ordenar e elevar o pensamento
– Ao situar o pensamento como causa primordial de nossa elevação e de nosso
rebaixamento, elemento que engendra “todas as descobertas da Ciência, todas as
maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas da Humanidade”,
Denis conclui não haver “assunto mais importante que o estudo do pensamento,
seus poderes e ação”. Observa que “... refletimos os mil pensamentos incoerentes
do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber
nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspiração que cada um traz consigo,
mas a maior parte ignora”. Por fim, convida a “aprender a fiscalizar os
pensamentos, a discipliná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim
nobre e digno”.
Essas “fontes profundas”,
presentes na alma, contêm “potências ocultas”, que “esperam nosso chamamento
para emergirem e aparecerem”, e podem ser alcançadas pela meditação: “Se meditarmos
em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso ser
impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento”. O autor acrescenta
que “na meditação o espírito se concentra, volta-se para o lado grave e solene das
coisas: a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas”.
A busca da consciência de
espírito é também referendada por Joanna de Ângelis (2008), que, assim como
Léon Denis, reafirma o poder da meditação, asseverando que
“O empenho de manter a atenção – que observa –, a concentração – que fixa – e a
meditação – que completa o equilíbrio psicofísico – tornam-se a ponte de união
entre a consciência superficial e o Eu profundo (...)”.
A mentora destaca também destaca a importância da geração de
automatismos superiores:
* “A repetição de atos gera
hábitos e estes tornam-se memórias, que passam a funcionar automaticamente.”
(ibid., p. 73-74)
* “Se eleges hábitos mentais de
discernimento para o correto, agirás com segurança, e essas memórias
funcionarão automaticamente, amadurecendo-o intelectiva e afetivamente, com
este comportamento oferecendo-te consciência de ti mesmo, identificação com o
teu EU profundo.”(id.)
Progressivamente, alcançaremos o
estágio de percepção dos nossos veículos como tais, desidentificando-nos deles
e manejando-os conforme as necessidades e circunstâncias;ao mesmo tempo,
conscientes do ser essência que somos, compreenderemos a nossa condição de
imortalidade e de criaturas nascidas do Amor Divino, que transcende as barreiras
do tempo e do espaço.
3.
Reconhecer e experienciar a vida da erraticidade ou mundo espiritual.
Embora saibamos que a informação
não é suficiente para provocar os efeitos ou comportamentos dela decorrentes,
ela é de vital importância na evolução. Segundo Allan Kardec, o progresso
intelectual antecede o progresso moral, fato este constatado observando-se o
comportamento das pessoas e populações ou através de pesquisas científicas na
Psicologia.
Mesmo a pesquisa experimental de
eventos relativos à ação dos espíritos no mundo físico não é capaz de ser
convincente para todos os observadores, pois eles dependem fundamentalmente da
matriz paradigmática que os faz perceber e interpretar o acontecimento.
Em que pesem tais limitações
relativas à informação e à interpretação dos eventos, o contato com leituras experimentos
pode ser uma primeira aproximação da realidade do mundo espiritual. Assim
começa um processo de experimentação de algo além dos cinco sentidos.
As pesquisas do chamado período
metapsíquico contribuíram para o questionamento do paradigma materialista, como
podemos constatar lendo os principais autores da época, como Alexandre Aksakof,
Gabriel Dellane, Epes Sargent, César Lombroso, Gustave Geley, William Crookes,
entre outros. Muitas conversões ocorreram graças a tais pesquisas particularmente
a partir de eventos que envolviam informações e vivências pessoais.
Entretanto, um número
significativo de participantes das pesquisas psíquicas adotaram explicações que
reduziam tudo a epifenômenos da matéria. Considerando que este método investigativo
continua tendo o seu valor hoje, contamos com a transcomunicação instrumental,
que não depende ostensivamente dos seres humanos, e as pesquisas anímicomediúnicas.
Observar através de aparelhos e
pessoas com faculdades específicas assemelha-se a estudar uma civilização a
partir do que os seus membros conseguem trazer e causar impacto em nossa vida.
Em outras palavras, significa manter-se no seu mundo, à espera que lhe convençam
a partir de ações específicas que consigam romper o mapa mental dominante.
Mas há outra alternativa, cujo
poder de conversão parece ser maior. Trata-se da vivência ou experienciação do
próprio mundo espiritual em si mesmo. Algumas práticas podem ser delineadas:
1. A observação da mente, isto é dos pensamentos, até
discernir a sua origem, se pessoal ou extrapessoal.
2. O estudo através de
observações sistemáticas das suas próprias capacidades paranormais, tais como a
telepatia, a psicocinesia, a precognição, a premonição, a clarividência no
mundo físico e outras formas incluídas no rol das interações entre a mente e a
matéria.
3. O trabalho prático de conhecer
o mundo espiritual através das vivências dos sonhos e dos chamados
desdobramentos espirituais ou projeções astrais.
4. A identificação em si mesmo de
faculdades mediúnicas e seu grau de desenvolvimento, precisão e qualidade em
“laboratórios” específicos, fartamente difundidos no meio espírita, como
sessões de desenvolvimento mediúnico. Neste caso, recomenda-se seguir as instruções
de Allan Kardec e Léon Denis, que continuam validadas por continuadores destes estudos,
tanto entre encarnados quanto entre desencarnados.
4.
Identificar sua participação em Deus e tomar consciência da unidade fundamental
Esta é a solução definitiva. Como
afirma Paulo, o Apóstolo, em comunicação publicada em O Livro dos Espíritos,
nossa vida deveria gravitar em torno de Deus. A união com a Divindade foi
divulgada por Jesus através da parábola do filho pródigo, da sua informação de
que Ele era um com o Pai Celestial, bem como do seu apelo para que nEle nos uníssemos.
Para nós, este estágio de consciência pode significar sentir-se espírito em plenitude.
Poderíamos dizer que se trata da superação de toda separatividade, da participação
na onipresença, da libertação de toda impermanência. Para buscar experienciar
tal estado, é preciso:
1. Estabelecer a pureza de coração, conforme assegura Jesus,
pois este estado é condição necessária para se ver a Deus em estado de
bem-aventurança.
2. Aprimorar a percepção do
Universo pelo estudo das suas leis e pela contemplação, pois ‘‘o Ser Supremo
não existe fora do mundo, porque este é sua parte integrante e essencial. Ele é
a Unidade central onde vão desabrochar e se harmonizar todas as relações”; “O
Universo oferece-nos o espetáculo de uma evolução incessante, para a qual todos
concorrem, da qual todos participam. A essa obra gigantesca preside um princípio
imutável.” (DENIS, 1989, p. 119).
3. Desenvolver novos estados de
consciência. Segundo Léon Denis, a consciência sensorial nos faz perceber Deus
como múltiplo; fazemos deuses todas as forças da Natureza: “assim nasceu o
Politeísmo”. Visto pela inteligência, Deus é espírito e matéria; daí o
dualismo. À razão esclarecida, ele é alma, espírito e corpo, forjando-se assim
as religiões trinitárias, como o Hinduísmo e o Cristianismo. “Percebido pela
vontade, faculdade soberana que resume todas as outras, compreendido pela
intuição íntima (...), Deus é Uno e Absoluto.” (ibid., p. 122-123).
5.
Consideração final: uma
proposta de ação .
Estas reflexões apontam para
variadas formas de organização das atividades no Centro Espírita e, à medida
que forem aplicadas, poderemos avaliar nosso trabalho na construção de
comunidades de espíritos encarnados mais conscientes de sua condição de seres
espirituais, vivendo uma experiência humana.
REFERÊNCIAS
ÂNGELIS, Joanna de. Consciência e Hábitos. In:______ Momentos
de Consciência. 3.ed. Salvador:Cf. parte IV, capítulo 2.
LEAL, 2008. cap. 12. Psicografia de Divaldo Pereira Franco.
DENIS, Léon. A disciplina do pensamento e a reforma do
caráter. In:______ O problema do ser, do destino e da dor. 14.ed. Brasília:
FEB, 1987. cap. XXIV.
_______. O Universo e Deus. In:______ Depois da morte. 15.ed.
Rio de Janeiro: FEB, 1989. cap.IX.
PEIXINHO, André Luiz. O despertar do espírito. In:_____ A face
eterna do ser. 1.ed. Salvador:Fundação José Petitinga, 2007a. cap. 17.
_______. Consciência de ser espírito. In:_____ A face eterna
do ser. 1.ed. Salvador: Fundação José Petitinga, 2007b. cap. 18.
_______. Essência, existência e evolução. In:_____ A face
eterna do ser. 1.ed. Salvador: Fundação José Petitinga, 2007c. cap. 58.
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