INTRODUÇÃO
Consciência
de Si
“Em princípio, o homem que se
exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples
fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único
valor consiste em parecer o que não é? Admito de boa mente que o Homem que
pratica bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que
tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.”
François-Nicolas-Madeleine.(Paris, 1863.)
O Evangelho Segundo Espiritismo
Capítulo XVII- ítem 8 Estudioso discípulo do Espiritismo propôs-nos a seguinte Indagação:
que revelações novas teriam os amigos espirituais em favor do aperfeiçoamento
interior nessa hora de tantas na humanidade? Em resposta a seu pedido sincero
de aprender exaremos os textos aqui discorridos. Não constituem novidades, e
sim um enfoque prático para velhas questões morais que absorvem quantos anseiam
pela melhoria de si mesmos.
Nossa proposta é apresentar
algumas “ideias-chave” com fins de meditação e auto aferição, ou ainda para
estudos em grupos que anseiam por buscar respostas sobre as intrigantes questões
da vida interior. Se não entendermos realmente a razão de nossas atitudes, não
reuniremos condições indispensáveis para o serviço renovador de nós próprios.
A capacidade de administrar o
mundo objetivo torna-se cada dia mais precisa e rica de tecnologia para melhor eficácia
nos resultados, todavia, a inabilidade na gerência do mundo íntimo é
comprovada, a todo instante, pelos atestados de descontrole e insatisfação que
o homem tem demonstrado em sua vida pessoal. Homens vencedores edificam pontes
maravilhosas que se tornam cartões postais no mundo inteiro, porém, nem sempre
dominam a arte de construir um singelo fio de atenção que possa estabelecer uma
ponte entre ele e seu próximo, diminuindo a distância que os separa.
Cirurgiões habilidosos transplantam
órgão sensíveis com precisão e controle nos dedos, no entanto, constantemente desequilibra-se
quando pequeno talher escapa das singelas mãos de seu rebento, gerando
perturbação e mal-estar na prole.
Se o cerne da proposta educativa
do Espiritismo é a melhoria espiritual pela reforma íntima, essa, por sua vez, tem,
por objetivo elementar, libertar a consciência dos grilhões do ego para que
possa brilhar com exuberância, sem as sombras que teimam em ofuscar-lhe.
Travamos, ao iniciar a renovação de nós mesmos, uma batalha entre o ego e consciência
do self definitivo e glorioso.
Reforma íntima! Eis o tema
predileto dos adeptos do Espiritismo no vastíssimo repositório dos assuntos
elevados que nos desafiam o entendimento sob a ótica do espírito imortal.
Apesar de sua predileção, constata-se que a assiduidade com a qual é tratada
não lhe tem garantido noções mais dilatadas que permitem o esforço consciente
na transformação da personalidade humana.
Nessa ótica, exageramos alguns
conceitos que merecem ser resgatados no seu melhor entendimento:
# Uma construção gradativa de
valores, a solidificação de qualidades eternas.
# uma proposta de plenitude e não
de derrotismo.
É fazer mais luz para varrer as
sombras. Muitos, porém, acreditam que
luz se faz extinguindo as trevas...
# é a formação do homem de bem.
Não se trata de deslocar vícios e colocar virtudes. É dada muita importância às
imperfeições nos ambientes da Doutrina, quando deveríamos falar mais das virtudes
do homem de bem.
# processo libertador da
consciência. Não se trata de vencer o ego, mas conquistá-lo através do domínio
natural da “voz” divina que ecoa em nossa intimidade.
Reforma íntima não deve ser
entendida apenas como contenção de impulsos inferiores. Muito além disso,
torna-se urgente analisá-la como o
compromisso de trabalhar pelo desenvolvimento dos lídimos valores humanos na
intimidade.
Circunscrevê-la a regimes de
disciplina pela vigência e pela vontade poderá instituir a cultura do martírio
e da tormenta como quesitos indispensáveis ao seu dinamismo.
Contenção é aglutinação de forças
de defesa contra a rotina mental dos reflexos do mal em nós, todavia, somente a
edificação da personalidade cristã, pródigas de qualidades morais nobres,
permitirá a paz interior e o serviço de libertação definitiva para além-muros
da morte corporal. Por essa razão entre os seguidores da mensagem espírita,
urge difundir noções mais lúcidas sobre o nível de comprometimento a que devem
se afeiçoar todos os seus aprendizes. Apenas evitar o mal não basta, imperioso
fazer todo o bem ao nosso alcance. A reforma de profundidade exige devoção
integral aos deveres da espiritualização, onde quer que estejamos, criando condições
para vivências íntimas que assegurem comoções afetivas revitalizadoras e
modificadoras a rumos mais vastos na ação e na reação: é a criação de
condicionamentos novos e elevados.
Assim como o corpo não extirpa
partes adoecidas, mas procura harmonizá-las ao todo, a alma procede seu
crescimento dentro princípio de “reaproveitamento” de todas as experiências
infelizes.
Quem busca o aprimoramento de si
mesmo tem como primeiro desafio o encontro consigo. A ausência de idéias claras
sobre nós próprios constitui pesados ônus a ser superado, o qual tem levado
corações sinceros e bem intencionados a dolorosos conflitos mentais com a
melhora individual, instaurando um doloroso processo de martírio a si mesmo.
Não existe reforma íntima sem
dores, razão pela qual será oportuno discernir quais são as dores do
crescimento e quais são as dores que decorrem de nossa incapacidade de lidar
com as forças ignoradas da vida subjetiva em nós mesmos. A distinção entre
ambas tornará nosso programa de melhoria pessoal um tanto mais eficaz e menos
doloroso.
Fala-se muito do homem velho e
quase nada sobre como consolidar o homem novo. Dominados pelo mau hábito de destacar
suas doenças espirituais, criou-se um sistema neurótico de supervalorização das
imperfeições morais que tem conduzido muitos espíritas à condição de autênticos
“hipocondríacos da alma”.
Conter o mal é parte do processo
transformador, construir o bem é a etapa nova que nos aguarda. Bem além de
controle, educação.
Acima de disciplina com
inclinações, desenvolvimentos de qualidades inatas.
Maturidade pode ser definida pela
capacidade individual de ouvir a consciência em detrimento dos apelos do ego.
Quanto mais fizermos isso, mais
seremos maduros e libertos. A saúde é estar em contato pleno com a consciência
e a doença é a escravidão ao ego. Reformar-se é tomar consciência do “si mesmo”,
da “perfeição latente” a qual nos destinamos. Em outras palavras, estamos
enaltecendo o ato da auto-educação.
Foi o notável Jung que afirmou:
“até onde podemos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma
luz na escuridão do mero ser”.
Imperioso que acendamos essa luz,
a luz que promana da autocrítica, sem a qual não nos educaremos.
E como exercer um juízo crítico
honesto sem conhecimento das artimanhas da velha personalidade que geramos?
Senso crítico é, portanto, um dos
pilares essenciais para a formação da autoconsciência, o qual nos permitirá desvendar
as trilhas em direção aos tesouros divinos incrustrados em pleno coração dessa
selva de imperfeições, que trazemos dos egos.
Apresentamos nessa obra alguns
“mapas” para devassarmos essa selva com segurança. Rotas para velhos temas
morais já conhecidos de todos nós, os espíritas, mas que nem sempre conseguimos
trazê-los para a intimidade no atendimento satisfatório do anseio exuberante
que espraia de nossas almas na construção da personalidade nova.
Decerto, como todo mapa, o
caminho para se atingir o destino são variados e pessoais, conforme a ótica e a
escolha de cada qual, e por esse motivo entregamos todas as nossas abordagens
com total despretensão quanto a resultados.
Todavia, como a peregrinação
pelos “vales sombrios” da nossa intimidade é repleta de imprevistos e
“ciladas”, não abdicamos da palavra clara e sincera, acrescendo alguns exemplos
de histórias dolorosas de quantos foram iluminados pela luz da Doutrina
Espírita, sem iluminarem a si próprios com a luz da experiência e da renovação.
Jamais moveu-nos a intenção de
que nossas considerações, aqui exaradas, pudessem constituir um roteiro de
orientação ou uma tese didática sobre o tema com o objetivo de traçar normas de
conduta. Para nós não ultrapassam a condição de sugestões para um diálogo em
grupo ou meditações individuais.
Nossos textos são um “início de
conversa”, um “ponto de partida” para que vós outros na Terra empreendem a
discussão livre e salutar sobre os caminhos da transformação humana, à luz do
Espírito Imortal. Nosso coração estará sempre onde existirem os colóquios
francos e produtivos acerca desse tema.
Sem pessimismo algum, mensurar a
condição pessoal, sem conhecimento pleno das histórias contidas em nossas
“fichas reencarnatórias”, é, quase sempre, proceder a uma análise míope das
condições espirituais autênticas que cercam nosso trajeto nos milênios. Por
isso, palpitam muitas ilusões no terreno da nossa luta reeducativa, na carne ou
fora dela. “Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria
virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter”.
Nossas reflexões destinam-se a
uma auto-avaliação. Sem uma incursão sincera no mundo de nós próprios, a fim de
aquilatar o que somos e não somos, corremos o severo risco de repetir as
múltiplas histórias que temos acompanhado por aqui, na vida imortal, na qual o
coração bafejado pelas concepções doutrinárias acalenta uma miragem de si para
além de suas reais proporções, tendo que se olhar, sem refúgios, no “espelho da
imortalidade” amargando doloroso processo de desilusão.
Buscamos nossas inspirações em O
Evangelho Segundo Espiritismo – repositório ético para a felicidade humana e incomparável
manancial de inspiração superior – no qual encontramos inexgotável fonte de
instrução e consolo dos Bondosos Guias da Verdade, em favor dos roteiros dos
homens ante suas provas e expiações. Consideremo-lo como sendo um receituário
moral para todas as necessidades humanas na Terra.
Entregamos nossos apontamentos
com alegria aos leitores e amigos, esperançosa de que a celeste misericórdia multiplique
nossas migalhas de amor, saciando a fome da alma com bênçãos de paz e estímulo
na aquisição da consciência de si.
Atenciosamente,
Ermance Dufaux.
Belo Horizonte, 16 de fevereiro
de 2003.
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